Numa
pequena cidade chamada Eternidade, curiosamente, há mais de dez anos não
falecia ninguém. A falta de defuntos e até mesmo candidatos a tal, trouxe
enormes prejuízos para os negócios de Vivaldo, o dono da modesta funerária Só
Falta Você, único empreendimento mortuário do município.
O
proprietário - que por sinal era muito mesquinho - andava repleto de pendengas
com os seus credores devido a ausências de mortes na localidade. O homenzinho
vivia agourando os doentes, torcendo para que agravassem seus estados de saúde
e findassem suas jornadas na terra. O tal empresário incitava desentendimentos,
brigas e desavenças pelos bares e ruas da cidade, a fim de que alguém com
sangue nos olhos desse cabo em outrem. Como se não bastasse, bastava saber de
um moribundo, no morre-não-morre, que Vivaldo recorria a rezas e simpatias para
apressar a passagem desta para melhor, de um próximo e eventual freguês.
O
fato é que por ali o tempo passava, mas não a morte. Nem mesmo os desenganados
pelos médicos desencarnavam em Eternidade. No auge do seu desespero, Vivaldo
teve o disparate de procurar o prefeito – autoridade máxima local - e propor a
descabida ideia de se limitar, por meio de uma macabra lei, o prazo de vida dos
munícipes, o qual não deveria ultrapassar 70 anos, sob o pretexto de se
economizar assim, verbas da saúde e de demais setores da administração
municipal.
Ciente
dos danos político-eleitorais, que o nefasto decreto e a tresloucada e antipática
medida traria, caso fosse implantada, o prefeito foi mais vivo que Vivaldo, e
não quis saber de morte em seus despachos. Mas, tamanha era a obsessão daquele
homem por um cadáver, que sua ânsia o consumia vorazmente. Ao final de cada
expediente, sem ninguém para enterrar, dia após dia, o homem foi se afundando
em tristeza. Vivaldo foi definhando, definhando, definhando. Primeiro o sorriso
lhe sumiu do rosto. Depois, a voz da garganta. Em seguida, a força das pernas e,
por fim, a pouca lucidez que ainda lhe restara na mente.
Não
houve outro jeito a não ser internar Vivaldo às pressas. Pouco tempo, após o
seu ingresso no hospital da cidade, morria de causas desconhecidas o fúnebre
agente daquela cidade. Por ironia ou capricho do destino, a morte encerrou os
mórbidos negócios do mais recente defunto, após tantos anos. De funerarista a
cliente: eis o fim de Vivaldo. Com o enterro do próprio proprietário, morreu
também a combalida funerária e Eternidade seguiu fazendo jus ao seu curioso
nome.