terça-feira, 18 de setembro de 2018

ESTAMOS EM LUTO




Numa pequena cidade chamada Eternidade, curiosamente, há mais de dez anos não falecia ninguém. A falta de defuntos e até mesmo candidatos a tal, trouxe enormes prejuízos para os negócios de Vivaldo, o dono da modesta funerária Só Falta Você, único empreendimento mortuário do município.
O proprietário - que por sinal era muito mesquinho - andava repleto de pendengas com os seus credores devido a ausências de mortes na localidade. O homenzinho vivia agourando os doentes, torcendo para que agravassem seus estados de saúde e findassem suas jornadas na terra. O tal empresário incitava desentendimentos, brigas e desavenças pelos bares e ruas da cidade, a fim de que alguém com sangue nos olhos desse cabo em outrem. Como se não bastasse, bastava saber de um moribundo, no morre-não-morre, que Vivaldo recorria a rezas e simpatias para apressar a passagem desta para melhor, de um próximo e eventual freguês.
O fato é que por ali o tempo passava, mas não a morte. Nem mesmo os desenganados pelos médicos desencarnavam em Eternidade. No auge do seu desespero, Vivaldo teve o disparate de procurar o prefeito – autoridade máxima local - e propor a descabida ideia de se limitar, por meio de uma macabra lei, o prazo de vida dos munícipes, o qual não deveria ultrapassar 70 anos, sob o pretexto de se economizar assim, verbas da saúde e de demais setores da administração municipal.
Ciente dos danos político-eleitorais, que o nefasto decreto e a tresloucada e antipática medida traria, caso fosse implantada, o prefeito foi mais vivo que Vivaldo, e não quis saber de morte em seus despachos. Mas, tamanha era a obsessão daquele homem por um cadáver, que sua ânsia o consumia vorazmente. Ao final de cada expediente, sem ninguém para enterrar, dia após dia, o homem foi se afundando em tristeza. Vivaldo foi definhando, definhando, definhando. Primeiro o sorriso lhe sumiu do rosto. Depois, a voz da garganta. Em seguida, a força das pernas e, por fim, a pouca lucidez que ainda lhe restara na mente.
Não houve outro jeito a não ser internar Vivaldo às pressas. Pouco tempo, após o seu ingresso no hospital da cidade, morria de causas desconhecidas o fúnebre agente daquela cidade. Por ironia ou capricho do destino, a morte encerrou os mórbidos negócios do mais recente defunto, após tantos anos. De funerarista a cliente: eis o fim de Vivaldo. Com o enterro do próprio proprietário, morreu também a combalida funerária e Eternidade seguiu fazendo jus ao seu curioso nome.